sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O presente da costureira de colchas

Honestidade

Há muitas pessoas para quem
o dinheiro é o mais importante
na sua vida, não olhando a meios
para enriquecer.
Procura ver sempre a verdadeira
riqueza nas coisas mais simples
e mais belas da vida.
Só assim terás alegria.


Era uma vez uma costureira de colchas chamada Maria que vivia numa casa no cimo das montanhas de bruma azulada. Até o mais idoso dos tetravôs não se lembrava de um tempo em que ela não estivesse lá em cima a coser, dia após dia.
Aqui e ali, e onde quer que o sol aquecesse a terra, dizia-se que ela fazia as colchas mais belas que alguma vez se tinha visto.
Os azuis pareciam vir do mais profundo do oceano; os brancos, das neves mais boreais; os verdes e os púrpuras, das abundantes flores silvestres; os vermelhos, os cor-de-rosa e os cor-de-laranja, do mais maravilhoso dos pores-do-sol.
Algumas pessoas diziam que os seus dedos eram mágicos. Outras murmuravam que as suas agulhas e tecidos eram dádivas do povo das fadas. E outras diziam ainda que as colchas tinham caído de anjos que por ali passavam.
Muita gente subia a montanha, com os bolsos a abarrotar de ouro, na esperança de comprar uma daquelas maravilhosas colchas. Mas a costureira não as vendia.
— Dou as minhas colchas aos que são pobres ou não têm casa — dizia a todos os que lhe batiam à porta. — Não são para os ricos.
Nas noites mais frias e escuras, a costureira descia até à cidade, no sopé da montanha. Percorria as ruas calçadas até encontrar alguém a dormir ao relento. Então, tirava do saco uma manta acabada de fazer, enrolava-a nos ombros dos que tremiam de frio, aconchegava- os bem, e afastava-se depois silenciosamente.
No dia seguinte, depois de beber uma xícara de chá de amoras, começava uma nova manta.
Por esta altura, vivia também um rei, senhor de muito poder e ambição, que, mais do que tudo, gostava de receber prendas.
Os milhares e milhares de lindíssimos presentes que recebia pelo Natal e pelo seu aniversário nunca lhe chegavam. Proclamou, então, uma lei que dizia que o rei passaria a festejar o seu dia de aniversário duas vezes por ano.
Quando isto também deixou de o satisfazer, deu ordens aos seus soldados para procurarem pelo reino as poucas pessoas que ainda não lhe tinham dado prenda alguma.
No decurso dos anos, o rei foi ficando com quase todas as coisas mais bonitas do mundo. Os seus inúmeros bens estavam empilhados um pouco por todo o castelo. Em gavetas ou prateleiras, em caixas e arcas, em armários e sacos.
Coisas que brilhavam, cintilavam e reluziam.
Coisas extravagantes e práticas.
Coisas misteriosas e mágicas.
Eram tantas, que o rei tinha uma lista de tudo o que possuía.
Mas, apesar de ser dono de todos estes tesouros maravilhosos, o rei não sorria. Não era nada feliz.
— Deve haver algo de bonito que me faça finalmente sorrir — ouvia-se o rei dizer muitas vezes. — E hei-de tê-lo.
Um dia, um soldado entrou precipitadamente no castelo com a notícia de uma mágica costureira de colchas que vivia nas montanhas.
O rei bateu com o pé no chão.
— E por que razão essa pessoa nunca me deu nenhuma das suas colchas de presente? — perguntou ele.
— Ela só as faz para os pobres, Vossa Majestade — respondeu o soldado. — E não as vende por dinheiro algum.
— Isso é o que vamos ver! — bradou o rei. — Tragam-me um cavalo e mil soldados.
E partiram à procura da costureira de colchas.
Quando chegaram a casa dela, esta limitou-se a rir.
— As minhas colchas são para os pobres e necessitados, e vê-se facilmente que não é nem uma coisa nem outra.
— Eu quero uma dessas colchas — exigiu o rei. — Talvez seja o que finalmente me fará feliz.
A mulher pensou por um momento.
— Oferece tudo o que tem — disse — e então farei uma manta. Por cada prenda que der, acrescento um quadrado à manta. Quando tiver dado todas as tuas coisas, a tua manta estará terminada.
— Dar todos os meus maravilhosos tesouros? — gritou o rei. — Eu não dou, eu recebo!
E, dito isto, deu ordem aos soldados para se apoderarem da linda manta de estrelas da costureira.
Mas, quando se precipitaram sobre ela, a mulher lançou a manta pela janela e uma forte rajada de vento levou-a.
O rei ficou muito zangado. Levou a costureira montanha abaixo, atravessou a cidade e subiu outra montanha, onde os seus ferreiros reais fizeram uma grossa pulseira de ferro. Acorrentaram-na a uma rocha, na gruta de um urso que estava a dormir.
O rei pediu-lhe novamente uma manta, e uma vez mais ela recusou.
— Muito bem, então — respondeu o rei. — Vou deixa-la aqui. Quando o urso acordar, tenho a certeza de que vai fazer de ti um ótimo almoço.
Quando, algum tempo mais tarde, o urso abriu os olhos e viu a costureira na gruta, equilibrou-se nas fortes pernas traseiras e soltou um rugido que sacudiu os ossos da mulher. A costureira ergueu os olhos para o urso e abanou tristemente a cabeça.
— Não admira que sejas tão resmungão — disse. — Para além de rochas, não tens nada onde possa à noite descansar a cabeça. Arranja-me um braçado de agulhas de pinheiro e, com o meu xaile, farei uma almofada grande e fofa.
E foi isso que fez. Nunca ninguém fora antes tão amável para com o urso. Este partiu a pulseira de ferro da mulher e lhe pediu que lhe fizesse companhia durante a noite.
Mas, embora o rei desempenhasse bem o papel de homem ambicioso, desempenhava mal o papel de homem malvado. Durante toda a noite não conseguiu dormir, a pensar na pobre mulher, na gruta.
— Oh, meu Deus, o que é que eu fui fazer? — lamentava-se.
Acordou os soldados e lá marcharam todos em pijama até à gruta, para a salvarem. Mas, quando chegaram, o rei encontrou a costureira e o urso a tomarem um pequeno-almoço de frutos silvestres e mel.
Então, o rei esqueceu por completo a pena que sentira e voltou a ficar zangado. Ordenou aos construtores reais de ilhas que construíssem uma ilha tão pequena que a costureira só lá pudesse ficar em bicos de pés.
Novamente o rei lhe pediu uma manta e novamente ela recusou.
— Muito bem — respondeu o rei. — Esta noite, quando estiveres demasiado cansada para te manteres em pé e quiseres deitar-te para dormir, afogar-te-ás.
E o rei deixou-a só na minúscula ilhota.
Pouco depois de ele partir, a costureira viu um pardal atravessar o grande lago. Soprava um vento forte e violento e o pobre pássaro não parecia capaz de chegar a terra. A costureira chamou-o e ele poisou no ombro dela para descansar. Como o pobre e cansado pardal estava a tremer, a senhora fez-lhe uma capa de um pedaço de tecido do seu colete púrpura.
Quando a ave se sentiu mais quente e o vento parou de soprar, levantou voo de novo, grato pelo que a costureira lhe tinha feito.
Dali a pouco, o céu escureceu devido a uma enorme nuvem de pardais. Com as asas sempre a bater, milhares deles desceram, pegaram na mulher com os seus pequeninos bicos e levaram-na em segurança para terra.
Novamente nessa noite, o rei não conseguia dormir a pensar na senhora, sozinha na ilha.
— Oh, meu Deus, o que é que eu fui fazer? — lamentava-se.
Voltou a acordar os soldados que estavam a dormir, e lá marcharam em pijama até ao lago, para libertarem a costureira. Mas, quando chegaram, ela estava sentada no ramo de uma árvore a coser minúsculas capas cor de púrpura para todos os pardais.
— Desisto! — gritou o rei. — O que tenho de fazer para me dares uma manta?
— Como já te disse — respondeu ela — oferece tudo o que tens e eu faço-te uma manta. E, por cada prenda que dês, acrescento mais um quadrado à tua manta.
— Não consigo fazer isso! — gritou o rei. — Eu adoro todas as minhas lindas e maravilhosas coisas.
— Mas, se elas não te fazem feliz — retorquiu a costureira — para que servem?
— Lá isso é verdade — suspirou rei.
E pensou muito, muito, no que ela dissera. Pensou durante tanto tempo, que as semanas se sucederam umas às outras.
— Pronto, está bem — disse entredentes. — Se tenho de me libertar dos meus tesouros, então que seja!
O rei regressou ao castelo e procurou, de uma ponta a outra, qualquer coisa da qual conseguisse abdicar.
De sobrolho franzido, lá acabou por encontrar um simples berlinde. Só que o rapazinho que o recebeu retribuiu-lhe o gesto com um sorriso tão radiante, que o rei regressou ao castelo para ir buscar mais coisas.
Por fim, pegou num monte de casacos aveludados e foi distribuí- los pelas pessoas vestidas de trapos. Ficaram todas tão contentes, que se puseram a desfilar pelas ruas da cidade.
Mas, ainda assim, o rei não sorria.
Em seguida, foi buscar uma centena de gatos siameses azuis, que dançavam valsas, e uma dezena de peixes transparentes como vidro. Depois, deu ordem para que trouxessem para fora o carrocel com os cavalos verdadeiros. As crianças gritaram de entusiasmo e puseram-se a dançar em redor dele.
O rei olhou à sua volta e viu as danças, a felicidade e a alegria que os seus presentes tinham trazido. Uma criança pegou-lhe na mão e puxou-o para dançar. O rei agora sorria e até soltava gargalhadas.
— Como é isto possível? — exclamou. — Como é possível eu sentir-me tão feliz por dar as minhas coisas? Tirem tudo cá para fora! Tirem tudo imediatamente!
Entretanto, a costureira manteve a sua palavra e começou a fazer uma manta especial para o rei. Por cada presente que ele dava, ela acrescentava mais um quadrado à manta.
O rei continuou a dar e a dar. Quando, por fim, não havia mais ninguém que não tivesse recebido alguma coisa, o rei decidiu ir pelo mundo e procurar outras pessoas que precisassem das suas prendas.
Antes de partir, o rei prometeu à costureira que lhe enviaria um pardal, de todas as vezes que desse alguma coisa.
De manhã, à tarde e à noite, as carroças partiam da cidade, cada uma delas carregada até cima com todos os objectos maravilhosos do rei. E durante anos e anos, os pardais mensageiros foram voando até ao peitoril da janela da costureira, à medida que ele ia esvaziando lentamente os seus carros por onde quer que passasse, trocando os seus tesouros por sorrisos.
A costureira trabalhava sem parar e, pedaço a pedaço, a manta do rei foi crescendo, cada vez maior e mais bonita.
Por fim, certo dia, um pardal cansado entrou-lhe pela janela e poisou na agulha. A costureira compreendeu imediatamente que este era o último mensageiro. Deu o último ponto na manta e desceu a montanha em busca do rei.
Após uma longa busca, encontrou-o finalmente. As suas vestes reais estavam agora em farrapos e os dedos dos pés espreitavam-lhe das botas. Os olhos brilhavam de alegria e o riso era maravilhoso e sonoro. A costureira retirou do saco a manta e desdobrou-a. Era de tal forma bela, que borboletas e colibris esvoaçavam à sua volta. Ergueu- se em bicos de pés e pô-la à volta do rei.
— O que é isto? — exclamou ele.
— Prometi-te há muito tempo — disse ela — que, quando fosses pobre, te daria uma manta.
O sorriso radiante do rei fez cair maçãs e levou as flores a voltarem-se para ele.
— Mas eu não sou pobre — disse. — Posso parecer pobre mas, na verdade, o meu coração está cheio a mais não poder, com as recordações de toda a alegria que dei e recebi. Agora sou o homem mais rico.
— Mesmo assim, fiz esta manta só para ti — disse a costureira.
— Obrigado — respondeu o rei. — Mas só fico com ela se aceitares uma prenda minha. Há um último tesouro que ainda não dei. Guardei-o todos estes anos para ti.
O rei retirou o seu trono do carro velho e frágil.
— É mesmo muito confortável — disse o rei. — E o ideal para quem passa longos dias a coser.
A partir desse dia, o rei voltou muitas vezes à casa da costureira de colchas, que ficava bem lá em cima, perto das nuvens.
Durante o dia, a costureira fazia lindas colchas que não vendia e, à noite, o rei levava-as para a cidade. Procurava, então, os pobres e infelizes, pois nunca se sentia tão feliz como quando dava alguma coisa a alguém.
Jeff Brumbeau
The quiltmaker’s gift
New York, Orchard Books, 2000

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